Disciplina - Cinema

Filmes & Educação

30/10/2013

Entrevista de Eduardo Coutinho

Eduardo Coutinho: "As pessoas acham que imagem é mercadoria"


Homenageado pela Mostra de Cinema de São Paulo, cineasta opina sobre polêmica das biografias e detalha seu método de trabalho: "Eu preciso das pessoas"

Eduardo Coutinho parece ter pouca paciência para homenagens, mas, aos 80 anos, teve um 2013 cheio delas: uma mesa na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), uma retrospectiva na Mostra de Cinema de São Paulo e o lançamento de um livro, organizado por Milton Ohata, com textos dele e sobre ele.

Tudo muito justificado em se tratando de um dos nomes mais importantes da história do cinema nacional, que fortaleceu o gênero documental com uma série de obras marcantes, de "Cabra Marcado para Morrer" (1985) até "As Canções" (2001), passando por "Santo Forte" (1999), "Edifício Master" (2002), "Jogo de Cena" (2007) e tantas outras.

Em uma carreira de mais de quatro décadas Coutinho ouviu e deu voz a uma série de personagens anônimos e muito diferentes dele, sempre com notável respeito. Durante as filmagens, ele não desvia os olhos do personagem, escuta atentamente e segue algumas regras pessoais. Nunca os questiona, por exemplo, com a palavra "opinião".

"Taí uma coisa que eu não digo em nenhum filme, porque opinião tem muita", disse Coutinho quando a reportagem do iG pediu que ele opinasse sobre a polêmica das biografias não autorizadas , já que uma eventual mudança no Código Civil, tão discutida pelo mercado editorial, também afetaria o cinema .

Com seu jeitão ao mesmo tempo divertido e sem paciência, Coutinho criticou o grupo Procure Saber, que reúne artistas contrários à liberação de livros e filmes não autorizados, alguns defensores do pagamento de royalties para os biografados.

"É uma tolice criar caso com isso. É uma tolice do Caetano (Veloso), do Chico (Buarque), pelo amor de Deus, é brincadeira", disse o cineasta, citando dois dois membros fundadores do Procure Saber.

"As pessoas pensam que a imagem é mercadoria, entende? Que é algo que se vende. Isto é uma tragédia", acrescentou. "Nem me peça para pensar nisso, porque (o que defende o Procure Saber) vai acabar com o documentário. Só isso."

"Eu preciso das pessoas"

Coutinho conversou com o iG após um debate com alunos da FAAP na noite de segunda-feira (28), parte da programação da Mostra. Acostumado a questionar seus entrevistados, ele se recusou a fazer as habituais considerações iniciais e passou logo a bola para a plateia. "Nunca tenho nada a dizer se não tem pergunta."

Foi o primeiro de muitos comentários que divertiram o público, já que Coutinho emendou uma história atrás da outra, falou palavrão e demonstrou hilária falta de interesse pela tecnologia. Quando um celular tocou, disse que "não usa esse instrumento" e perguntou se o aparelho que tocava era dele (era). Quando fez referência ao Facebook, falou apenas em "aquela complicação geral lá" (curiosamente, todo mundo entendeu).

Coutinho disse não ter dúvidas de que a relação cada vez mais próxima entre internet e televisão vai alterar profundamente a comunicação. "A conversa é uma troca que tem que ser feita face a face. Hoje em dia ninguém escuta ninguém, e já é assim há uns 20 anos", afirmou. "Eu realmente escuto as pessoas, e talvez seja por isso que elas falam comigo. Minha vida depende disso. Eu preciso das pessoas - por profissão até."

"As ideias gerais são uma tragédia"

Ao responder perguntas da plateia, formada basicamente por estudantes de cinema, Coutinho detalhou um pouco seu método de trabalho. Revelou ficar "de saco cheio" ao ter que definir o tema de um filme para poder vendê-lo e a absoluta preferência por ideias "concretas". Citou, como exemplo, uma ocasião em que recebeu um roteiro cujo tema era "a solidão".

"A solidão em geral não existe. O Brasil em geral não existe. As ideias gerais são uma tragédia", afirmou. "Pode ser a solidão na prisão, a solidão de um milionário, mas tem de ser um tema concreto. Melhor ainda se não tiver tema. O importante é como um filme é feito. O tema não é muito importante."

A parte de pesquisa é fundamental para que Coutinho tenha uma "noção prévia" de seus personagens e não estoure o cronograma de filmagens, algo que leva muito a sério. Ele, porém, não acompanha o processo pessoalmente, enviando uma equipe que grava breves entrevistas com possíveis personagens e faz um relatório escrito com o qual ele pode ou não concordar.

"Não vou antes para não ouvir 'como eu já te disse' (durante a filmagem). É importante (o personagem) acreditar que estou ouvindo aquilo pela primeira vez", explicou.

Corda-bamba

O diretor também defendeu o pagamento de cachês para entrevistados, algo que não é regra em seus filmes (aconteceu em "Edifício Master" e "Santo Forte", mas não em "Peões", por exemplo).

"O cachê torna o pacto mais sério, mas ninguém falou comigo porque dei dinheiro. É sempre valor simbólico, não muda a vida de ninguém", defendeu Coutinho, que vê a prática como uma espécie de compensação pela disponibilidade do entrevistado. "A classe média paga o dia da faxineira. Quando vou filmar a faxineira, ela também tem que chegar às 10h."

Para o cineasta, questões éticas e morais fazem com que o documentarista esteja sempre em uma corda-bamba. "Há momentos em que você não está certo de nada", afirmou. "A melhor coisa é chamar a pessoa filmada, mostrar a imagem e ver o que ela acha. Mas muitas vezes também é preciso defender o cara dele mesmo."

Ele criticou o fato de a cobrança por ética ser maior no documentário do que na ficção e a resistente ideia de que o gênero existe para educar. "Quem tem vontade e saco para ver filme para ser educado? Ninguém quer ser educado, ninguém quer lição de moral. Esta é a cruz do documentário."

Do outro lado

O debate também contou com uma provocação a Coutinho, que recebeu da plateia uma pergunta que costuma fazer a seus entrevistados: "Você é feliz?"

Depois de qualificar a questão como "infelicíssima", ele respondeu: "Não sou feliz nem infeliz. Você pode dizer que está feliz, que está comendo um bolo e está gostando do bolo. Cinco minutos depois cai da escada", afirmou. "Eu posso dizer como está o mundo, não como é o mundo."

E está feliz?

"Olha, eu não pedi o livro, as pessoas pediram", respondeu. "É bom, é bom. Sei lá."



Notícia retirada do site Último Segundo. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade do autor.
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